Depois de mais de hora e meia sentadinha a ver revistas cor-de-rosa, a apreciar o vai-vem dos utentes, a ver e ouvir o programa vespertino da Fátima Lopes na TVI, finalmente fui chamada para o andar onde iria ser realizada a intervenção e lá esperei ainda mais um bocado, antes de me chamarem para o bloco operatório. Devo dizer que nunca andei de cadeira de rodas, sempre pelo meu pé, escada acima, escada abaixo. Nessa outra sala de espera ainda tive tempo de refilar com duas assistentes, o enfermeiro que me assistiu, enviar duas SMSs ao mais-que-tudo e até falar com ele, não vá a coisa correr mal e ele ter como última recordação minha uma SMS que dizia "Apetece-me pedir o livro de reclamações e ir embora sem fazer nada".
Já no bloco operatório fui assistida por um senhor enfermeiro quase septuagenário (Roque, os teus desejos não se concretizaram), coloquei uma bata amarela, uma touca e deitei-me na maca, com botas e tudo. Sou menina bem mandada! A senhora médica lá chegou, por volta das 19:10 e eu tamborilava com os pés ao som duma melodia de spa irritantemente calma. Se querem acalmar uma paciente, porque raio é que poem a tocar a selecção musical do médico que habitualmente usa aquela sala, como vim a saber mais tarde? Perguntavam-me o que eu desejava ouvir, não era? O senhor septuagenário rapou o local da remoção, previamente assinalado com um marcador bordeaux, e eu a pensar se ele estaria a usar uma daquelas lâminas antigas que os homens usavam para fazer a barba ou uma gillette mesmo. Não tive oportunidade nem de ver nem de lhe perguntar porque entretanto a senhora médica pôs mãos à obra e picou-me! Não posso dizer que a picada de médica seja muito diferente da picada de enfermeiro, pois a sensação é a mesma: pica, mas é perfeitamente suportável.
Estando perfeitamente consciente, lá fui perguntando o que me estavam a fazer e a conversa girou à volta de jantares de curso, início de carreira profissional, família, médicos da cidade...tudo intercalado com o relato do que me estavam a fazer na tola e eu não sentia. Tinha que acreditar na palavra deles, não é?
A coisa lá foi dada por terminada, pouco antes das 8 do jantar e eu estava esgazeadinha de fome.
Olhei-me ao espelho e não notei nada de diferente em mim, a não ser que não conseguir franzir a testa do lado direito. Apenas mexia o sobrolho esquerdo. Experimentem olhar-se ao espelho e vejam o que vos acontece quando franzem e enrugam a testa. Agora imaginem que dividem a testa em partes iguais e uma parte mexe e a outra não. Cómico, não acham?
Conclusão: deixei parte da minha carne dentro dum frasco, que irá para análise daqui a uns tempos saberei o que é aquilo.
E como é que eu imaginei que iria ser? Pensei que houvesse sangue a jorrar da minha cabeça por todo o lado e que houvesse alguém a segurar-me os braços e que eu teria que fazer imensa força para contrariar e essa pessoa e que eu teria que ser transportada de cadeira de rodas para cima e para baixo e que ficaria careca dum lado da cabeça. Nada disso! Nem se nota nada, a não ser que afaste o cabelo; então sim, nota-se uma zona ligeiramente inchada e suturada, nada bonita de se ver. Eu sei que não é bonita porque o meu filho disse-me.
(Sim, o relato acaba aqui, assim, porque não houve sobremesa.)