A primeira parte desta história sem pés nem cabeça, mas com muitas meias, encontra-se algures aqui (não é algures, é mesmo carregar na palavra "aqui" - na anterior e não nesta - e aparece outra janelinha engraçada, isto para quem não percebe patavina disto)
Limpou as mãos ao seu avental azul e branco aos quadrados, que a sua querida mãezinha lhe tinha oferecido há 7 natais atrás, passou a mão na sua testa que já gotejava de tanto nervoso miudinho, limpou igualmente as lágrimas de cebola e tentou recompôr-se do contratempo da Fruta. O dia ia ser memorável; naquela cozinha já não entrava fêmea desde que a Prisão foi dividida em três: a secção dos gajos, a secção das gajas e a secção dos rabetas...Nesse dia longínquo, uma das presidiárias tentou por seu intermédio - do Zé - arranjar uma ração extra para o almoço, já que naquela altura sofria de bulimia; isto à custa de um bico bem mal feito, já que o Zé não parava de se mexer por trás da sua banca de trabalho, visto estar a amanhar as lulas fresquinhas do almoço, enquanto ela lhe sugava a salsicha..."sempre foi melhor que nada", pensou ele na altura.
A sua nova parceira estava diante de si: uma senhora dos seus 20 e picos anos, com uma cara bolachuda, um nariz batatudo, umas sobrancelhas tão espessas que mais pareciam as de um homem, uma "ligeira" penugem negra por cima dos seus lábios, e cabelo curtinho à rapaz. Um corpo a condizer com a cara: avantajado e baixo que em nada beneficiava de um andar algo trôpego...a senhora mancava da perna direita e usava uma bota com tacão mais alto que o outro para compensar este seu atributo físico. "Que mais poderia um homem desejar?", pensou ele, algo desapontado. Contudo, duas coisas nela o atrairam bastante: os seus bonitos olhos verdes, de gata, que contrastavam imenso com o resto do conjunto; e a outra coisa que o enfeitiçou foi aquele sinalzinho proeminente que ela ostentava no canto do lábio, do lado esquerdo. Zequinha simplesmente não conseguia resistir a este tipo de sinais...desde a época da Vanessa. Também ela possuia um destes e cada vez que sorria, o sinal parecia dizer-lhe: "Vem Zequinha, vem...e dá-me beijinhos".
A graça desta jovem senhora era Engrácia, como ele veio a descobrir pouco depois. O Director da Prisão fez as honras da cozinha e apresentou-a condignamente ao Zequinha. Este esqueceu-se totalmente da Fruta que não tinha comprado, e não conseguia fazer mais nada a não ser pasmar intercaladamente para os olhos verdes e para o sinal...
-"Zé...Zé...ZÉ!! Sente-se bem?", perguntou-lhe o Director.
-"Sim, sim....desculpe-me, Senhor Director...subitamente lembrei-me de um recado que a minha mãezinha me pediu para lhe fazer", retorquiu o Zequinha..."Muito prazer, Senhora Engrácia", disse ele.
-"O prazer é todo meu, Senhor Zé. Sempre adorei trabalhar em cozinhas, com outras pessoas. São sítios onde a nossa criatividade é posta à prova todos os dias, onde estamos em contacto diário com os produtos saudáveis que a natureza nos proporciona e podemos sempre trocar experiências de vida e até experimentar em conjunto novas formas de lidar com a carne. Sabe, quando trabalhava no Restaurante Come & Cala, do Senhor Hermenegildo, aquele cuja esposa fugiu no dia a seguir à Páscoa com o trolha que andava a fazer-lhe o piso, tinha a cozinha por minha conta. Ai o prazer que eu sentia em meter a mão..."
-"Senhora Engrácia, vai-me desculpar..." interrompeu-a o Director, "...temos que continuar, de modo a ficar a conhecer os cantos à prisão."
-"Sim, sim tem razão", disse ela com um sorriso que lhe arrebitava as bochechas coradas, sinal de muita saúde.
O Zequinha observou-os a abandonar as instalações e não pode deixar de pensar que a Senhora Engrácia tinha uma voz deliciosa, encantadora, que ficou a cantar na sua mente durante mais uns minutos, e que o fez, mais uma vez, pensar na sua Vanessa. Ela tinha uma voz perfeitamente normal, passava despercebida em qualquer lado, mas o que lhe sussurrava ao ouvido nas suas horas de intimidade dava cabo do sistema dele. A Senhora Engrácia, apesar do seu físico pouco atraente, parecia-lhe bastante simpática...e gostava de dar dois dedos de conversa, sem dúvida.
Depois disto, o Zequinha lá continuou a preparar o manjar do almoço com o Atum Ramirez que a prisão encomendava sempre. Por mais que dissesse ao fiel do Armazém que o Bom Petisco é que era bom, o filho-da-mãe do gajo fazia sempre a mesma encomenda. Começava a desconfiar que ali havia falcatrua.
Enquanto ouvia a sua cassete preferida do Toy, começou a pensar no que tinha planeado fazer depois de deixar o trabalho, o que aconteceria por volta das 16:15 horas...