O Senhor Manuel e a Dona Fátima, casados há mais de 20 anos, gostam muito de fazer marmelada juntos. Sempre gostaram, aliás. Foi precisamente esse gosto comum que os uniu antes de se casarem. Marmelos.
Tinham descoberto, enquanto conviviam dentro dos parâmetros correctamente familiares, que gostavam particularmente de mexer na fruta que ambos possuiam e cultivavam nos respectivos quintais de família. Quintais esses bastante frondosos e apelativos à vista de quem por ali passava, bastante recheados com uma imensa variedade hortícola e frutícola: abóboras, pêras, morangos, tomates, cenouras, coentros, salsa, limões...Tudo fruto de muito trabalho árduo e sempre manual. Era do que ambos gostavam: mexer e remexer no terreno do outro, sabendo que mais ano menos ano, haveriam de colher frutos comuns.
Ora, o Menino Manuel tinha um fetiche: antes mesmo da Menina Fátima acordar, e sem fazer demasiado barulho enquanto explorava o terreno da menina-vizinha, o Menino Manuel gostava de tocar na sua fruta preferida: marmelos. Os marmelos do quintal dela e mais nenhum. Ele tomava-lhes o peso, sentia as suas formas curvilíneas e onduladas, a sua textura (ásperos por fora, mas bastante deliciosos depois de uma trinca bem dada), enebriava-se com o seu cheiro adocicado.
Tal fetiche fora praticado amiúde, apenas com conhecimento da menina-vizinha, até ao dia em que o irmão da menina deu com a língua nos dentes e contou ao progenitor dela que o seu quintal andava a ser idolatrado às escondidas pelo menino-vizinho Manuel.
O pai, que não era de modas, foi falar com a mãe do menino-vizinho, já viúva aos 46 anos, por vias de um acidente fatídico que o marido sofreu enquanto apanhava...marmelos, precisamente. Desequilibrou-se do marmeleiro, caindo do escadote, bateu com a cabeça no banco de madeira e ...finou-se de vez.
-"Malditos marmelos, Manuel! Foram a desgraça da família uma vez, serão novamente a nossa desgraça à custa dos marmelos da Fátima." - vociferou a mãe, antes de terminar a conversa familiar com um ultimato:
-"Ou tu e a Fátima montam negócio juntos ou eu corto o mal pela raíz de vez e nunca mais a vês! Vais para o seminário se..." Ele não gostou nada da ameaça, pois no seminário mais próximo não cultivavam a arte de fazer marmelada.
E foi assim que o Menino Manuel e a Menina Fátima se tornaram sócios da empresa "Marmelada para todos", após casamento faustoso na aldeia, badalado durante 14 dias à conta de tanta marmelada caseira feita exclusivamente por ambos e para regalo e paladar de todos os convidados.
Isto sim, um belo conto sobre mamas :)
ResponderEliminarQuando é que escreves um sobre, sei lá, fruta?
Mas... mas...eles fizeram marmelada para os convidados todos? Nada contra, mas deve ser um bocadito cansativo, não? Nem Messalina seria capaz...
ResponderEliminar@Julie: quem corre por gosto não se cansa. Além de que fazer marmelada leva o seu tempo. É preciso aprimorar o gosto, ter dedo para a coisa...enfim, muita paciência e acúcar. É o caso destes dois :)
ResponderEliminar